(nota prévia não
tenho nada contra nenhuma especialidade médica, creio que todas são
importantes. No entanto ensinaram-me a acreditar que o importante era o doente,
não a doença, não os MCDT’s que podes pedir ou o carro que tens na garagem por
isso espero que ler isto implique um exercício de raciocínio que vá além do
exagero que uso para marcar essa posição)
Mas afinal porque
tanta merda com o Harrison? É só um exame…é só uma especialidade que vais
escolher e em qualquer uma delas recebes bem com’ó caralho! Vais em breve ter
aquele Mercedes-Benz…’tás-te aí a queixar para quê?
Ora bem acabas o
secundário e se entraste à primeira, passaste tudo à primeira, convenceste as
secretárias a dar-te os papeis correctos no prazo certo e estudaste bem o
exame, acabas este périplo aos 24 anos. E se vens de uma família humilde mas
que não teve bolsa ao contrário do teu tio que aufere o salário mínimo
nacional, mas que tem o tal Mercedes na garagem em nome do cunhado e teve
escalão A para os filhos, chegas ao final do curso com o sentimento de dever
cumprido mas a necessidade de finalmente começar a rentabilizar o curso que
implicava os Verões a virar hamburguers, em vez de ir à Suiça esquiar com os
impostos que não pagavam… E aqui começam as dificuldades e a angústia de quem
tem que estudar o texto que o Diabo redactou numa noite em que se sentia
particularmente chateado, … irritado, … bem… fodido, vá! com as almas dos que
acabavam o curso de medicina. O raças da nota vai ser a que decide se vais
ficar perto das pessoas que conseguiram aturar-te mesmo quando o teu tema de
conversa nos meses de Fevereiro, Junho e Setembro apenas conseguiam ouvir-te “rampaging
about” as mais mirabolantes variantes anatomofisiológicas que tinhas
orgulhosamente estudado para os exames, ou se vais para onde Judas perdeu as
botas e começar tudo de novo outra vez. Não tenho nada contra novas
experiências mas o resto das pessoas que escolhem cursos normais têem amigos da
faculdade que de uma maneira geral vão ficando por perto por esta ou aquela
razão ou porque simplesmente lhes apetece, liberdade que é vectada pelas 5
posições que vos separam e obrigam um a ir para Bragança e outro para Faro
(mais uma vez sem prejuízo contra uma ou outra cidade)
A mesma nota vai
determinar o tipo de médico que és e o teu lugar na hierarquia médica que com
as devidas salvaguardas (eu gostaria de ser Med Interna, Med Familia, Anestesista,
Pediatra ou Cirurgião Geral) impõem uma visão do Med de família como o nabo que
passa análises e exames de acordo com a ultima página do e-doctor patrocinado
pela Pfizer determinou ao paciente para exigir, o Med interna é uma figura
etérea, e o resto é que cura povo… Na realidade não é necessário erguer uma
estatua aos médicos (ou a mim para os que me considerem egocentrico), mas
respeito até os bichinhos gostam e é triste seres médico de família e saberes
que os teus paciente foram à urgência confirmar com outro clínico geral que não
os conhece de lado nenhum e tem apenas 15 minutos para a consulta (mas como é
do Hospital as pessoas não sabem que pode inclusive estar menos certificado que
o médico de família) se deviam tomá-los. E pior seres pior pago que o colega
que não faz noites, que não faz urgência, que se dá ao luxo de recusar doentes
que mesmo que a sua patologia principal seja da sua área basta que tenha outro órgão
envolvido que o manda para o internista. E quando eu falo de ser pior pago digo
na ordem de 100% pior pago! No entanto, como se ganha mais que o resto dos
licenciados é obsceno reclamar!
E o suporte
emocional que é necessário à nossa profissão esfuma-se…não falo de psicólogos nem
de que somos uns coitadinhos mas não acham que um médico seria muito mais
saudável se tivesse uns amigos para ir beber uns copos nem que seja de
coca-cola no final de um turno? Mas não, os que não entram nessa especialidade
trabalham em 4 sitios diferentes para alcançar um estilo de vida que os coloque
no mesmo patamar que os colegas que vêem 4 doentes por turno caramba e que
naturalmente têem tempo para discutir entre eles em que país vão comprar a nova
colecção da Louis Voiton para expiar o stress de ter visto mais dois pacientes
do que os que permitiram ao chefe de equipa agendar. E eu não quero uma Louis
Vuitton, aliás sempre achei que se quisesse dinheiro na altura teria escolhido
outra profissão e teria enriquecido sem tantas complicações ou
responsabilidade. Não digo que tem que haver um dermatologista às 4 da manhã em
todos os Hospitais mas se calhar no dia seguinte quando ele vem chega sempre
dentro de um horário fixo, exclusivo da instituição que lhe paga essas horas e
que veja os doentes que humanamente seja possível nesse horário de modo a não
obrigar as pessoas a marcar consulta no seu consultório privado dando a ideia
de que o triador, o med de família ou internista que duvidou do que poderia ser
e requisitou a sua sapiência é um pobre diabo. E já agora porque não trabalhar
em equipa? Porque é que um Ortopedista na urgência só vê trauma e depois da
meia-noite só se realmente estiver escaqueirado senão fica a curtir analgesia
porque só de manhã é que vê a fractura reduzida? Porque é que os cardiologistas
não vêm FA’s sejam elas de novo, em contexto infeccioso ou com RVR? Porque é
que os ORL só vêm um Sd vertiginoso depois de descartar se é central (que eles também
sabem fazer) por um médico de clínica geral que provavelmente só se lembra que
Dix-Hallpike determinou que 97,4444% das vezes o nistagmo era vertical em caso
central e que a manobra de uns tipos quaisquer era útil na determinação de VPPB
uma das causas mais frequentes de Sd Vertiginoso ou será que era ao contrário? Não
sei se é assim em todo lado mas a idiossincrasia da realidade não deve andar
muito longe, mudando apenas o nome da especialidade ou a maleita.
Ainda acham que é
de ânimo leve que uma pessoa estuda? Que é só por capricho que nos espumamos
contra o ridículo da PNS e as suas implicações?
Faz a especialidade que gostes. ;)
Referente ao Louis Vuitton e coisas afins, uma coisa é comprar coisas boas e tal, e outra coisa é tirar o dinheiro...
Pessoalmente acho que comprar coisas de luxo muitas das vezes é tirar o dinheiro, e pessoalmente, nao tenho inveja ninhuma... ;)