Decorrente da
minha publicação anterior tinha que explicar o que é o Harrison… das 5 pessoas
que lêem o site 1 não é médica (ora bem temos eu, o meu alter-ego, o infra-ego,
o Javier e um incógnito e gentil leitor que resignado naquela noite em que não
a internet insiste em apresentar o meu blogue como hit relevante quando ele
procura “gajas boas”, que eu não conheço mas sei que existe) e para ela vai
toda minha tentativa de tentar traduzir em palavras esse momento da vida de um
jovem médico em que o Harrison é tudo e tudo é o Harrison.
No mundo real
Harrison foi Tinsley Randolph Harrison (18 Março, 1900 [“a date which will live
in infamy”] – 4 Agosto, 1978 [data que passou a fazer parte do meu calendário
de celebrações, tendo já pedido à Teresinha que nunca mais me escale esse dia
tal como o dia 11 de Set (meu aniv) e o dia 5 Junho ( que foi quando consegui
comer um Perna de Pau sem que a nata me sujasse as mãos todas]), que um dia
descendente de uma família de seis gerações de médicos que decidiu ser
professor e deixou um livro que pensava ele iria servir o propósito de
condensar numa publicação os (atenção ao título do livro) PRINCIPIOS de
medicina interna, que para os comuns mortais é uma especialidade fantasma (quem
não ouvi já: «”…medicina interna, ai! que giro, imagino que tenha estudado a
medicina da parte interna do corpo, mas eu perguntei que especialidade queria?”
– “Medicina interna, já lhe disse!” – “Hummm e isso cura o quê?”), mas que na
realidade é a especialidade que deveria (mais do que ser uma vertente não
declarada da geriatria) que se encarrega de integrar o conhecimento médico no
todo que é o humano e não nos seus constituintes como fazem ginecologistas que
altruistamente trabalham onde os outros se divertem e ignoram o que é a linha
de Ellis-Damoiseau ou as suas implicações no sistema respiratorio quando um CIN
agressivo descompensa uma insuficiência cardíaca congestiva severa e provoca
uma congestão pulmonar que leva a um derrame pleural por descompensação da lei
de Starling que regula a produção e absorção do liquido pleural presente entre
as duas folhas…
Assim ele pediu
aos seus “amiguetes” que escrevessem um capítulo para o seu famoso compêndio. Ora já o povo diz (e o comunista que há em mim valida) que “Cada cabeça sua
sentença” tendo saído uma salganhada de métodos e formas de contar uma história
que constitui o pior pesadelo para o naturalmente obsessivo-compulsivo estudantes
de medicina, habituado a estudar de forma esquemática os titânicos algoritmos
de estudo de uma doença (Doença X -> descrição geral, fisiologia,
patofisiologia, semiologia, diagnostico, tratamento, prognóstico; Doença Y
-> descrição geral, fisiologia, patofisiologia, semiologia, diagnostico,
tratamento, prognóstico; Doença Z -> … [“got the idea?”]).
O problema é que o Harrison's Principles of Internal Medicine é a bibliografia adoptada para a PNS, incidindo sobre os cinco bloques principias (Cardio, Nefro, Pneumo, Gastro, Hemato)
E vocês dizem, qual é o problema? O Wilhem
Kempf tem que saber de cor as mil e não sei quantas páginas que tem o
repertório de sonatas de Beethoven! Estudas aquilo e pronto…
Nessas páginas
Wilhem Kempf não tem que indagar porque é que aparece # nem se isso será
relevante… porque para Beethoven, como para ele é indicativo de um sustenido e ‘tá
lá é importante, senão não estava, mas quando enfrentas o Harrison pedem-te que
atentes que os critérios da National
Cholesterol Education Program e da International Diabetes Foundation
para o Sd X incluem a medição da circunferência abdominal diferindo os valores
de acordo com a etnia em questão, assim, 94 80 | 90 80| 85 90 cm são os valores
para homem e mulher, Europeu, Sub-sahariano &Médio Oriental |Asiático,
Chinês & Sul Americano | Japonês, respectivamente. Isso é relevante??? Pode
ser caramba, não sou um nazi das coisas simples, porra, mas em que medida é que
isso me vai tornar mais apto para ser Dermatologista ou Médico de Família?
Portanto é relevante? Vão perguntar no exame? E a prevalência da miocardiopatia
de Tako-Tsubo que afecta maioritariamente mulheres pós-menopausicas submetidas
a uma forma de stress prolongado, excepcionalmente extremo stress mental ou
físico (este ultimo em apenas 20% dos casos, o que nos faz pensar que para ser
mulher e menopausica e sobreviver é preciso alcançar o estádio iluminado do
Dalai Lama) se calhar este é importante (e ‘tou a falar a sério, esta porra
mata mesmo! http://www.takotsubo.com/) mas será importante garantir que o recém médico o saiba? O mesmo
que está a fazer este exame para em breve vai abraçar uma especialidade e
deixar para trás (infelizmente é assim) grande parte do que aprendeu sobre clínica
geral, chegando ao ridículo de estar a praticar dermatologia e lembrar-se desta
merda que o diferenciou do 97% que tirou o número 2 que escolheu a outra única
vaga de Neurorradiologia, mas não saber que sibilâncias respiratórias presentes
numa qualquer atopia que lhe chegue às mãos por eritema exuberante se trata, alem
de com corticoides (de acção rápida) como é seu apanágio para qualquer maleita
dermatológica, com beta-agonistas de acção rápida como broncodilatador por
excelência? Tanto que precise de chamar um médico, que ele já não é?!
E nestas
cogitações passas tu uma Primavera em que os teus amigos telefonavam no
princípio a perguntar se querias ir dar o primeiro passeio fotográfico pelos
campos recém floridos e tu respondias que não porque ainda não leste como que o
gene XPTO é responsável pela doença que mata um habitante por cada 25 anos no
Oeste Americano! Um Verão em que apenas dois amigos e a tua namorada te
perguntam a medo se queres ir dar um mergulho atrás de um escudo anti-motim com
medo de apanhar com o Harrison voador! Um Outono em que só as pessoas com quem
vives se aproximam para dar-te banho com uma mangueira de alta pressão ou para
empurrar-te uma refeição quente por baixo da porta para não verem o bicho hipersalivante,
barbudo, fotofóbico curvado sobre fotocópias A3 roídas e escrutinadas até ao
último minuto antes do exame, nesse dia prensadas e decoradas com as cores do
arco-iris em versão Pelikan fluorescent marker.
Os que tiram mais
de noventa vão achar isto um exagero. Claro o terror que os pais expressão ao
psiquiatra que visitam pela PTSD que os assola desde que os viram a chorar na
relva a rezar com ar de quem entra em transe impede-os de os recordar que só
com choques eléctricos os conseguiram trazer à realidade, e como na realidade
eles podem escolher uma especialidade que dá dinheiro sem fazer nada
(aparentemente o principal critério de quem escolhe nos lugares de cima [e
digo-o consciente que há excepções e que mesmo que tirasse 100% jamais faria
Dermato ou primos]. Mas também são sempre aqueles que durante a faculdade te
diziam que o exame tinha sido horrível e depois abanavam sub-repticiamente o 20
na cara do teu suado 15, portanto também não é de esperar outra coisa dos
representantes do mínimo denominador da baixeza académica.
Os que tiraram
uma boa nota vão rir porque na verdade é parecido com o que viveram num registo
cómico, mas real para os filhos da puta que tiraram 90’s e..., e vão escolher
anestesia porque querem ter um sitio tranquilo onde apenas os beep’s dos
aparelhos que decoram o bloco incomodem a leitura do diário económico ou da
Hola! Versão tablet/smartphone. E afinal eles sempre puderam fazer anestesia
noutro sítio que apenas lastimam porque não havia sinal GPRS
Os que ficaram
aquém das expectativas vão dizer que era assim que deveriam ter feito para conseguir
a posição 456.
Os que se
espalharam redondamente, nunca vão ler esta crónica porque só a palavra
Harrison no título provoca ondas de raiva que implica camisas brancas que
apertam atrás e injecções de clorpromazina.
La virgen, te ha dao por escribir hoy eh!.
Aunque podías haber repartido esto en varios días!!! xD
(yo hago las entradas programadas)
Como te compreendo...
adorei, parabéns
Brilhante!!!! (e não, não digo isto porque caminho nessa tortura maquiavélica, mas sim porque, quem à minha volta leu, riu e concordou!)